O Livro de Ponto pretende ser um espaço onde os professores possam colocar as suas questões, onde ousem debater os seus problemas e onde possam pôr dúvidas e perguntas esperando que por aqui encontrem pistas para as suas respostas.
Pergunta:
"Tenho meninos, na minha sala, que parecem não conseguir interpretar um texto e, muito menos, alinhavarem meia dúzia de ideias numa composição escrita (...)"
Joana Valério
Resposta de Eduardo Sá:
Cara Joana,
O problema que coloca é muito estimulante. Vamos lá ver se eu conseguirei responder de forma breve ao seu desafio...
Em primeiro lugar, não sei se será pacífico para todos que as crianças, primeiro, interpretam e, só depois, leem. Ou, se preferir, a forma como leem não é estranha ao modo como interpretam um texto, por exemplo. Como são muito intuitivas, elas "apanham" no ar o sentido dum texto e, depois de o trazerem para dentro delas, ligam-no (muito mais em "piloto automático" do que parece) aos sons e à forma que eles assumem numa espécie de 3 em 1, mais complexo do que parece.
É claro que, para serem capazes duma operação mental de tão grande complexidade, elas começam por precisar de ter a cabeça mais ou menos "limpa" e razoavelmente "arrumadinha". Depois, é natural que aquilo que as crianças sentem, num determinado texto, funcione como uma espécie de "atrapalhador" que complique a leitura e a interpretação. Às vezes, é bem melhor pedir a uma criança que faça um desenho acerca dum texto que, aparentemente, ela não entendeu, ou que nos diga aquilo que percebeu (ou que sentiu) num texto do que pedir-lhe que leia em voz alta. Num segundo momento, é bom que as crianças leiam em voz alta porque escutar (desde os mais "básicos" aqueles que se agrupam em sílabas) os sons ajuda as crianças a distanciarem-se um pouco deles e a "olharem-nos", de certo modo, em perspetiva, o que cria condições para eles os entenderem melhor. Se fizer deste modo, de preferência numa relação mais personalizada,acredito que dê um passo grande na ajuda que poda dar a estes meninos.
Quanto à composição escrita, eu acho que ganhava se começasse por desafiar as crianças a fazerem-na em voz alta. Com a sua ajuda, claro. Porque elas vivem os temas "partidos ao meio": por um lado, sentem-nos duma forma límpida e fulgurante; por outro, ficam demasiado presas às perspetivas que imaginam que os adultos têm acerca dos seus desempenhos, ficando divididas entre aquilo que sentem e aquilo que supõem que deviam sentir. Quanto mais as crianças pensam em voz alta e, até, de vez em quando, dramatizam aquilo que imaginam, os sentimentos ganham uma vida é uma dimensão um bocadinho material a ponto de se tornarem quase... óbvios. Tente fazer assim. Se não der resultado, pegue no endereço de email que está mesmo no início desta página e escreva. Eu respondo.