Caro Pedro,
Reconheço que não entendo um certo clima que se vai instalando, muitas vezes, na relação entre a escola e os pais. Já repeti, em inúmeras circunstâncias, que ser professor “é um estado de espírito”, dando a entender que existir quem tenha a bondade e a determinação de contribuir para costurar a sabedoria dos nossos filhos só deve merecer, por isso, gratidão e carinho. No entanto, se um professor for, em diversos momentos, uma “entidade reguladora” para os pais (esperando-se que eles façam o mesmo em relação a si), ele não pode colocar-se como uma espécie de tutor parental. Por outras palavras: é saudável que um professor mande na sala de aula e a gira consoante aquilo que, em consciência, considera que são as condições indispensáveis para aliar aprender e brincar de uma forma proativa e especial. Mas mais do que isso pode não ser prudente…
Já aquele episódio que refere parece-me pouco razoável. Se os livros são das crianças, são pois os pais que devem determinar o que fazer com eles; também ao fim de semana. Dir-me-á que há pais que entendem não devolver os livros ou que, simplesmente, se esquecem de os mandar na mochila e que, com isso, perturbam o normal funcionamento de um dia escolar. Eu entendo que isso possa trazer alguma turbulência a uma sala de aula. Uma “falta de material”, nessas circunstâncias, representa uma advertência por “défice de atenção” aos pais, pela qual já todos passámos uma ou outra vez. Nada de muito grave, portanto. Já se os pais “extraviam” os livros e se demitem de os repor, considerando-os como instrumentos pouco indispensáveis de aprendizagem, entregando (quase com desprezo) essa falha à responsabilidade de um professor, acabam por esclarecer a escola que eles (os pais) não estão à altura da responsabilidade de gerirem a vida dos filhos. E, sendo assim, mais grave que a falta dos livros é a falta de pais. Que tem de merecer uma sinalização clara, para a proteção das crianças, dos próprios pais e da escola. Já esta forma de considerar, implicitamente, os pais pouco capacitados a ponto de merecerem regras “musculadas” sem as quais se “perdem”, não me parece nada sensato. Seja como for, antes de se zangar, tente perceber se é o professor do seu rapaz que exorbitou funções ou se ele próprio não estará preso a uma atitude da direção da escola com a qual não concorda. Mas que, apesar disso, tem de cumprir.
Finalmente, deixe que lhe diga que não entendo a forma como algumas pessoas são críticas para com muitos estudantes, dizendo-lhes que eles se limitam a “passear livros”. Ora, eu acho que passear os livros é meio caminho andado para passear nos livros. E quem não passeia nos livros nunca aprende. Por isso mesmo, insista (sem nunca perder de vista que os livros precisam de fins de semana) para que os livros do seu filho possam “arejar” mais vezes. Para que saiam da escola. E, já agora, para que eles e os pais do rapaz “travem conhecimento”. Que – aqui entre nós – é uma expressão com o quê de especial…
Um abraço,
Eduardo Sá